Motoristas de app: O que pode mudar com projeto de lei que regulamenta trabalho por aplicativo

Demidov Turgueniev
Demidov Turgueniev Brasil 10 Min Read
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Após meses de negociação e adiamentos, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou nesta última segunda-feira (4/3) o envio ao Congresso de um Projeto de Lei com regras para o trabalho de motoristas de transporte de passageiros que atuam por meio de aplicativos.

A proposta agora segue para avaliação do Senado e da Câmara — ou seja, depende do Congresso para entrar em vigor e pode ser alterada durante a tramitação.

Quais são os principais pontos do texto que o governo Lula envia ao Congresso, segundo as informações divulgadas pelo Palácio do Planalto até a publicação desta reportagem?

Jornada de trabalho: o período máximo de conexão do trabalhador a uma mesma plataforma não poderá ultrapassar 12 horas diárias e, para receber o piso nacional, o trabalhador deve realizar uma jornada de 8 horas diárias efetivamente trabalhadas.

Remuneração: o trabalhador receberá R$ 32,09 por hora de trabalho, segundo o projeto.

Segundo o Palácio do Planalto, é prevista uma remuneração de, ao menos, um salário mínimo (R$ 1.412).

Nova categoria trabalhista: o projeto de lei propõe criar uma nova categoria para fins trabalhistas, o “trabalhador autônomo por plataforma”.

Previdência: os trabalhadores devem recolher 7,5% sobre os valores referentes à remuneração e os empregadores devem recolher 20% sobre os valores referentes à remuneração.

A “remuneração” corresponde a 25% da hora paga – ou seja, R$ 8,02/hora.

As empresas devem realizar o desconto e repassar para a Previdência Social, juntamente com a contribuição patronal, segundo a proposta do governo.

O governo destaca que, no caso do auxílio-maternidade, as mulheres trabalhadoras terão acesso aos direitos previdenciários previstos para os trabalhadores segurados do INSS.

Segundo o Palácio do Planalto, o projeto é resultado de acordo de um grupo de trabalho criado em 2023, coordenado pelo Ministério do Trabalho, que contou com representantes dos trabalhadores, das empresas, e do governo federal.

Na cerimônia no Palácio do Planalto nesta segunda, Lula destacou a criação de uma nova modalidade de trabalhador.

“Foi parida uma criança nova no mundo do trabalho. As pessoas querem autonomia e vão ter. Mas, ao mesmo tempo, resolveram acordar com os empresários e com o governo de que eles querem autonomia, mas precisam de um mínimo de garantia”, disse o presidente.

“Há algum tempo atrás, ninguém neste país acreditava que seria possível estabelecer uma mesa de negociação entre trabalhadores e empresários e que o resultado dessa mesa fosse concluir por uma organização diferente no mundo do trabalho”, acrescentou.

Em seu discurso, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse que havia uma “falsa” sensação de liberdade no setor “porque os trabalhadores estavam sendo escravizados por longas jornadas e baixa remuneração”.

Marinho confirmou que os trabalhadores poderão estar vinculados a quantas plataformas desejarem e continuarão podendo organizar seus rendimentos.

O ministro reconheceu que o governo ainda não conseguiu chegar a um consenso com empresas e trabalhadores de entrega em moto.

“Ainda restam os aplicativos das entregas, dos trabalhadores, dos motoboys, dos motociclistas. Ainda não chegamos lá. E talvez seja uma categoria mais ainda sofrida do que os companheiros que aqui estão”, disse Marinho, citando depois um “modelo de negócio altamente explorador”.

O ministro disse que Lula fez um compromisso, em campanha eleitoral, de regulamentar trabalho por aplicativo, mas afirmou que “nunca dissemos se será pela CLT ou não, é um processo de debate” (Leia mais abaixo).

Em um evento que contou com discurso apenas de homens e a um palco que naquele momento tinha 14 homens e duas mulheres, Marinho fez referência ao mês da mulher e disse: “Vim até de camisa rosa em homenagem às mulheres”.

Por meio de nota, a Uber disse que considera a proposta “um importante marco visando a uma regulamentação equilibrada do trabalho intermediado por plataformas”.

Afirmou, ainda, que “o projeto amplia as proteções desta nova forma de trabalho sem prejuízo da flexibilidade e autonomia inerentes à utilização de aplicativos para geração de renda”.

A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) disse que a proposta “é um passo importante em direção à regulamentação da atividade de motoristas de transporte intermediado por aplicativos em veículos de quatro rodas no Brasil”.

Disse, ainda que “reafirma ainda seu compromisso de continuar participando da construção de uma nova regulamentação também para o setor de entregas, respeitando o equilíbrio entre as demandas dos trabalhadores, consumidores, governo e empresas”.

Trabalhar para app rende menos por hora a motoristas e entregadores
Motoristas e motoboys que trabalham por meio de aplicativos recebem valores menores por hora – e trabalham, em média, mais horas por semana – do que colegas que atuam fora das plataformas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A pesquisa também mostrou que os trabalhadores de plataformas estão menos protegidos pela Previdência do que os demais trabalhadores no setor privado.

Só 23,6% dos motoristas de app faziam contribuições à Previdência – o que significa que mais de sete em cada dez estavam desprotegidos pelo INSS. A taxa para motoristas que atuavam fora de plataformas era de quase 44%.

Em entrevista em 2023, o diretor do escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para o Brasil, Vinícius Pinheiro, já havia defendido a necessidade da regulação do trabalho em plataformas e argumentou que novas regras não afastariam empresas do país.

“Não é possível que tecnologias do século 21 coexistam com condições do século 19”, disse.

Paralelamente, a relação entre motoristas e plataformas também está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF).

No fim de fevereiro, foi formada maioria de votos a favor da chamada repercussão geral de um julgamento que discute o tipo de vínculo entre motorista e plataforma.

Assim, uma futura decisão da Corte sobre o tema terá amplo alcance e será válida para todos os casos semelhantes.

Após meses de negociação e adiamentos, governo Lula (na foto, com o ministro do Trabalho, Luiz Marinho) anunciou nesta segunda proposta de lei com regras para trabalho de motoristas para aplicativos

Desde o primeiro ano de governo, a equipe de Lula vem discutindo o tema — uma promessa de campanha. O anúncio da proposta, no entanto, vem depois do prometido pelo Ministério do Trabalho.

O trabalho por meio de aplicativos foi mencionado no plano de governo de Lula, enquanto era candidato, em 2022.

O documento dizia que sua gestão revogaria o que chamou de “marcos regressivos” da legislação trabalhista e dizia que o governo pretendia propor “uma nova legislação trabalhista de extensa proteção social a todas as formas de ocupação, de emprego e de relação de trabalho, com especial atenção aos autônomos, aos que trabalham por conta própria, trabalhadores e trabalhadoras domésticas, teletrabalho e trabalhadores em home office, mediados por aplicativos e plataformas”.

No início do governo, em 2023, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, chegou a dizer que uma proposta de regulamentação seria finalizada ainda no primeiro semestre daquele ano. Depois, sem acordos nas conversas entre empresas e trabalhadores, a divulgação da proposta teve adiamentos.

Em seu discurso nesta segunda, Marinho reconheceu a demora. “Eu nunca tinha participado de uma negociação que a redação demorasse tanto”, disse.

Durante viagem aos Estados Unidos em 2023, Lula disse que, muitas vezes, ocorre o que ele chamou de “trabalho quase escravo” em plataformas.

Plataformas digitais de trabalho quintuplicaram, diz OIT
Os desafios trazidos pelo trabalho por plataforma – uma modalidade que não se enquadra em todas as características de empregados tradicionais e tampouco de autônomos da forma que conhecemos – vêm afetando diversos países.

O número de plataformas digitais de trabalho quintuplicaram em todo mundo na última década, segundo relatório da OIT de 2021.

Em países como Chile e Espanha, foram criadas leis que garantiram direitos específicos para a categoria. Na França, a legislação exige que as empresas ofereçam determinados seguros aos trabalhadores. Já no Reino Unido, a decisão sobre direitos da categoria tem ficado na mão dos tribunais.

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